20/12/2010

Uma visão alternativa


Por Angelina Miranda e Paula Farias


O jornalista Márcio Amêndola de Oliveira nasceu em São Paulo, em 1960 e é o terceiro de cinco irmãos. O pai era artista plástico e trabalhava no IBGE, sua mãe professora primária. Teve uma infância tranqüila típica de quem mora no interior, mas teve um fato que o marcou. Um dia viu enormes helicópteros do exército descendo em campinhos de futebol perto de sua cidade. Achou aquilo maravilhoso e pensou em ser militar quando fosse adulto. O que só soube anos depois, é que aquela era uma movimentação do exército, em plena ditadura na tentativa de cercar e matar o legendário Capitão Carlos Lamarca. Isto foi o que mudou um pouco seus objetivos.Em meados 1977 com 16 anos foi trabalhar em uma redação, no jornal Voz da Terra jornal diário da cidade de Assis, interior de São Paulo.
Os dias de trabalho erma quase sempre iguais, mas em um de seus plantões no jornal chegou um teletipo (uma espécie de fax da época) dizendo que o Papa João Paulo I havia morrido. Ligou para seu chefe e contou a notícia. Esse foi seu primeiro “furo de reportagem”, publicado primeiro que o Estadão e a Folha. Já em 1981 teve atividades paralelas. Foi sindicalista no Serviço Público Municipal e fundador de um Jornal Intermunicipal chamado Fato Expresso, que circulou entre 1985 e 2003 na versão impressa. Nesta mesma época filiou-se ao PT na sua fundação na cidade de Assis, fez a comissão provisória do PT com colegas da faculdade e a registraram em maio de 1981. Militou fortemente no PT até 1989. Foi justamente com o surgimento do jornal Fato Expresso que surgiram as incompatibilidades. O jornal era imparcial e independente, e o PT de Embu das Artes via a linha editorial como sendo esquerdista e favorável ao partido. Chegaram a abrir vários processos de expulsão contra o jornalista, por matérias publicadas no jornal, que contrariava este ou aquele político. Sempre se defendeu desses “processos” e não conseguiram expulsá-lo, “Sou filiado do PT até hoje por “teimosia”, mais que por uma efetiva militância, já que me desencantei da política partidária.” Atualmente voltou com o jornal Fato Expresso na versão online.



Por que optou seguir a carreira de jornalismo político, justamente numa época difícil como foram os "anos de chumbo"?

Márcio Amêndola de Oliveira - Desde os tempos da faculdade de Letras, tive uma forte influência do jornalismo político. No início foi aquela coisa parcial, militante, contra a ditadura. Com o tempo, durante meus 17 anos de experiência no jornal que criei, junto com mais três amigos, fui me especializando em pesquisas eleitorais e análises de conjuntura. Tive de pensar os fatos de maneira mais abrangente e imparcial. Na militância contra a ditadura, entre 1979 e 1984, nas campanhas da Anistia e depois, das Diretas, consolidei minha experiência nesta área. Eu colaborava para pequenas publicações, e cheguei a ser o responsável pelo Boletim Informativo do PT de Embu. Em 1985 parti para a experiência em um jornal, criando o Fato Expresso.
Acompanhei as eleições de 1989, as primeiras depois do período militar. É claro que ‘torcemos’ pelo Lula, mas cobrimos a eleição sem paixões, e demos os resultados da vitória do Fernando Collor de Mello na primeira página.
Quando os escândalos estavam por derrubar o presidente, combinei com o meu sócio de distribuirmos o jornal vestidos de preto. Pusemos camisetas pretas, fita preta na antena do rádio da Kombi, e quando vimos, todo mundo estava de preto nas ruas. Foi de arrepiar. Um movimento coletivo, espontâneo, contra o governo.
Então, o jornalismo político sempre esteve nas minhas veias. Também apuramos denúncias contra prefeitos corruptos, um de Embu, outro de Taboão da Serra. O de Embu chegou a ser cassado com a ajuda das nossas investigações. Uma vez também apuramos a corrupção de 40 vereadores de Embu e Taboão da Serra. Fomos ameaçados de morte, cheguei a apanhar na rua, ficar cercado por uma ‘turba’ de cabos eleitorais de vereadores, numa sessão da Câmara de Taboão da Serra, em 1999. Mas escapei e não abri mão de meus princípios, de apurar a verdade e devolver aos cidadãos em forma de reportagem.


Como você analisa a participação da grande mídia nessas eleições?

MA - O jornalista Paulo Henrique Amorim, que tem um site ‘venenoso’ e também atua na TV Record, chamando os grandes jornais de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Exageros à parte e guardadas as devidas proporções, creio que o papel da grande mídia foi muito parcial neste processo eleitoral. A revista Veja distorceu tanto as premissas do bom jornalismo, que caiu na vala do jornalismo militante, a serviço do que há de mais reacionário e conservador na política brasileira.

Então, não creio que os grandes jornais fizeram um bom papel nestas eleições. Se as denúncias contra o governo Lula fossem tão sérias e graves, como faziam parecer entre agosto e setembro (o mundo parecia que ia desabar), porque então hoje, agora, quase não se fala mais nestas ‘denúncias’? Então, a Globo, o Estadão, a Folha de S. Paulo, a Veja, têm explicações a dar a seus leitores. Aliás, estes veículos vêm perdendo cada vez mais espaço para as chamadas mídias alternativas. Veículos independentes, com circulação e públicos menores, mais segmentados estão ganhando espaço. Basta ver na Internet, muitas experiências de jornalismo alternativo. Quando eu era adolescente, a audiência do Jornal Nacional girava em torno de 90%. Tinha até uma frase que dizia: “Se não deu no Jornal Nacional, não aconteceu”. Isso simplesmente acabou.

Estas eleições foram marcadas pela imprevisibilidade, as pesquisas afirmavam que Dilma ganharia no primeiro turno, o que não aconteceu. Serra chegou ao segundo turno por méritos da Marina ou pelos deslizes de Dilma?

MA - Nem uma coisa, nem outra. Na verdade, a mídia teve uma participação decisiva neste desfecho que empurrou as eleições para o segundo turno. O debate político foi jogado no lixo. A uma semana das eleições só se falava em aborto e em Erenice Guerra? A mídia pautou temas que passavam longe da esfera pública. Descobrir se Dilma Rousseff foi guerrilheira, se matou alguém, se não acreditava em Deus ou se apoiava o aborto, foi o que pautou os últimos dias do primeiro turno. Ninguém na mídia queria saber mais se o governo errava ou acertava, se a candidata de Lula era ou não capaz de manter a estabilidade econômica e o crescimento do País, se os milhões de empregos criados eram ou não importantes para a decisão do voto. É claro que, sob os ataques incessantes da grande mídia, Dilma sentiu o golpe. Como o perfil de seu eleitorado era mais próximo do de Marina Silva, esta acabou se beneficiando na reta final, por aqueles eleitores que se abateram pelo noticiário. Marina tinha ainda um apelo religioso, já que é evangélica e todos sabem que ela é contra o aborto. Mas Serra também ‘surfou’ nesta maré obscurantista, já que andou beijando santinhos. As pesquisas não ‘erraram’. Foi a conjuntura que se modificou rapidamente, apoiada em boatos em parte espalhados pela própria grande Mídia, e na radicalização do processo político. Tanto é que, quando as coisas voltaram, digamos assim, à ‘normalidade’, as pesquisas conseguiram captar com precisão a movimentação eleitoral do segundo turno, acertando em cheio os resultados finais das eleições, tanto nos Estados, como para a presidência.


Num programa eleitoral do candidato José Serra sua imagem foi claramente associada à do presidente Lula, cujas posições políticas e ideológicas são totalmente contrárias às do candidato tucano. Como você justifica este e outros erros grosseiros do PSDB nesta eleição?

MA - A campanha de José Serra foi uma comédia de erros, praticados pelos ‘marqueteiros’ que usaram e abusaram em subestimar e tentar manipular a opinião pública. A princípio, pensaram assim: “O presidente Lula tem 80% de aprovação, não dá para enfrentá-lo”. Então surgiram com essa idéia mirabolante de tentar dizer “Depois do Lula, vem o Zé”, afirmando que ele, José Serra, era ‘mais parecido’ com Lula, por sua biografia, sua capacidade técnica, por ter participado de mais eleições e ocupado mais cargos públicos do que Dilma. Ocorre que os projetos políticos são bem diferentes, e as alianças, também. É claro que o PMDB, por exemplo, apóia e apoiaria qualquer governo. Eles estão ‘no poder’ desde os tempos de Sarney, mas há diferenças importantes entre os dois projetos de poder, do PT e do PSDB.

Outro erro grosseiro foi transformar José Serra num paladino da moral, da religião e dos bons costumes, contra o aborto. Serra, um ex-militante da UNE, sabidamente um sujeito sem religião (nenhuma crítica aí, eu próprio não tenho religião), passa a falar de Jesus, colocar isto em seus panfletos, beijar rosários e erguer santinhos em plena Basílica de Aparecida do Norte. Tudo isto pode ter até agregados os votos de alguns incautos, mas acabou por afastar grande parte dos votos de uma classe média avessa à mistura de religião e política.

Como você avalia a participação de Marina Silva nestas eleições? Acredita na possibilidade de vitória em 2014?

MA - Marina veio com um discurso novo, necessário, de defesa do meio ambiente. Mas a Marina está longe de representar o pensamento ambientalista mais radical. Ela defende uma economia sustentável, mas o que se vê é cada vez mais uma impossibilidade de que qualquer nível de consumo atual seja seguro. A humanidade produz mais do que pode consumir e retira mais recursos da terra do que esta pode suportar. Ponto. Isto é uma discussão de modelo. Os capitalistas podem até agregar um discurso ‘sustentável’, mas no limite, defenderão muito mais seus lucros do que as conseqüências de seus atos. Além dessa defesa de uma pretensa ‘economia sustentável’ defendida por Marina, que coloca como vice-presidente o bilionário da Natura, empresa que sofre processo de indígenas por roubar princípio ativo de plantas amazônicas. A candidata ainda sofre de um conservadorismo religioso que não me agrada. Não creio que ela tenha muito futuro político, a não ser que reveja certas posições.

O que você espera do governo de Dilma Rousseff?

MA - Espero que mantenha as boas políticas do seu antecessor, que chega ao final de seu governo com 84% de aprovação, a maior de nossa história. Mas também espero que ela realize um governo menos personalista. Contestar um presidente com o perfil de Lula não é uma tarefa das mais fáceis para o bom jornalista. O sujeito se tornou quase uma unanimidade, e é perigoso para a democracia o culto a personagens que pairam acima do bem e do mal. Espero que Dilma aja no seu governo com um pouco mais de racionalidade, sem paixões. Neste sentido, será um governo com mais dificuldades. Não tem o carisma de Lula, e encontrará ainda pela frente uma oposição ressentida, além de uma arca de ‘Noé’ de alianças, que colocou quase todo mundo dentro deste projeto. É esperar e conferir. Torço para que dê certo, até porque votei nela. Não se espantem. Todo jornalista deveria deixar claro e deixar público seu voto. O que não dá é para abrir mão da isenção e espírito crítico. Mas ‘imparcialidade’ nos moldes dos manuais da Folha e do Estadão, não passam de hipocrisia.

As mudanças sociais necessárias são possíveis por meio da política, ou no momento atual os movimentos sociais é que podem gerar alguma transformação?

MA - Venho de uma escola política mais à esquerda, que não leva muita fé na política institucional, ou seja, acreditar nas mudanças por meio de eleições. O sistema proporcional é distorcido, alguns Estados elegem deputados com três mil votos, em outros são necessários 200 mil. Há vereadores demais e resultados de menos. O povo se acomoda, e deixa nas mãos dos outros os seus destinos, e por aí vai.
Vejo com simpatia os movimentos sociais, não as ONGs (entidades registradas e que acabam se transformando em apêndices da institucionalidade, atrás de verbas públicas para fazer serviços que o próprio governo deveria realizar). Por mais que critiquem, apóio o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MTST (versão Urbana), já que a concentração de terra neste País é um grande escândalo. Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, entre outros, fizeram reforma agrária e não me consta que sejam ditaduras comunistas. O latifúndio sim é um grande atraso, que só se vê em lugares como o Brasil.
Participo de um Instituto chamado “Zequinha Barreto”, que foi um jovem assassinado na ditadura (1971), juntamente com o capitão Carlos Lamarca. Nosso instituto tem um site, e defende a formação política dos trabalhadores, para sua luta pela transformação da sociedade. Iniciativas como esta, fora dos partidos, não nos mantém fora da política, muito ao contrário. Estamos apenas invertendo a pauta. A política partidária não responde a tudo, às vezes não responde a nenhuma questão realmente importante. Então aí entram os movimentos sociais. Por exemplo, passei a integrar um novo movimento em 2010, chamado ‘Movimento dos Blogueiros Progressistas’, uma iniciativa de jornalistas e blogueiros contra o conservadorismo e o golpismo da grande Mídia. Pensamento Único? Estou fora.

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Atividades atuais do jornalista Márcio Amêndola

Assessor de Comunicação da Câmara Municipal de Embu: www.cmembu.sp.gov.br

Coordenador de Documentação Histórica do Instituto Socialismo e Democracia José Campos Barreto – Zequinha Barreto: www.zequinhabarreto.org.br

Estudante no 4º Ano de História na USP (Universidade de São Paulo). Mantenho um Blog de História: http://contextohistorico.blog.terra.com.br

Organizador do Site jornalístico do jornal Fato Expresso: www.fatoexpresso.com.br

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