05/01/2012

Um lugar em que a mulher é referência e tem espaço


Por: Paula Farias e Suevelin Cinti


No hall de entrada, um grupo de dez mulheres conversa, é segunda feira, dia da oficina de jardinagem. Mães de filhos já crescidos, com família formada e, ainda sim, carentes de convivência. São essas mulheres que buscam reencontrar aqui sua auto-estima perdida entre os afazeres domésticos, as dificuldades financeiras e a opressão diária que sofrem por simplesmente serem mulheres. Enquanto o professor não chega, elas falam sobre tarefas de casa, folheiam revistas e dão risadas entre uma brincadeira e outra que fazem para passar o tempo.
Na recepção, já é possível notar as particularidades do local, com uma decoração em tons de branco e roxo nas paredes, móveis estofados, mesas de vidro, prateleira com artesanatos. Existe um tratamento diferenciado entre a recepcionista e as mulheres que ali chegam, um largo sorriso estampado no rosto torna a chegada muito mais agradável e convidativa.
Aqui, quebra-se o padrão da maioria dos órgãos públicos. Uma fachada discreta, com uma placa pequena. Estamos no Centro de Cidadania da Mulher de Santo Amaro, o CCM.
A sensação é a de ter entrado na sala de estar em casa, cada detalhe foi pensado e planejado para acolher de forma aconchegante essas mulheres. São sofás cobertos de almofadas com capas artesanais bordadas à mão, cores alegres nas paredes forradas de quadros e flores por todos os lados.
Algumas das mulheres que estão ali tentam retornar ao mercado formal de trabalho, outras nunca tiveram sequer a carteira assinada. Entre elas as experiências são as mais diversas possíveis, e foi pensando nessa pluralidade que as atividades da CCM foram organizadas.
Oferecendo as mais variadas oficias e cursos gratuitos, é desta maneira que o CCM de Santo Amaro torna seu espaço útil. Presente em outros países além do Brasil é uma criação da União Europeia, responsável pelo monitoramento de dados em relação à situação das mulheres nos países onde existe os centros. Desde sua inauguração, em 2007, quem mantém o funcionamento do espaço é a Prefeitura de São Paulo através da Secretaria de Participação e Parcerias.
Entre os cursos mais procurados estão: arte e movimento, costura, artesanato, rodas de leitura, confecção de sacolas, atendimento jurídico e psicológico, rodas de bate papo, desenvolvimento pessoal e cuidados pessoais.
No CCM se aprende que não existem limitações físicas, e sim culturais. As mulheres querem mais opções de escolha e acabar com esse preconceito social de que há trabalho só para homens ou só para mulheres.
Em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) já houve um curso de texturização e pintura em parede, que também ajudou muitas mulheres a conquistarem espaço no mercado de trabalho como pedreiras. Para este ano está previsto novo curso de hidráulica e de elétrica, também na área civil.
As oficinas e cursos são ministrados por profissionais de forma voluntária, por esse motivo a programação varia muito durante o ano. Cada curso dura em torno de dois a três meses, e a mulher que desejar pode repetir o mesmo curso.
A voz dos beneficiados
Dona de uma audição apurada e memória quase fotográfica, Maria da Paz perdeu a visão dos dois olhos em conseqüência de uma doença genética, assim como seu irmão. Porém, diferente dele e por ser mulher, ela não teve o mesmo empenho da família em habilitá-la para ser independente.
Maria foi então procurar ajuda na Unidade Básica de Saúde (UBS), em Veleiros, na qual era usuária. Ela buscava um lugar que oferecesse reabilitação, para que pudesse andar sozinha e ser menos dependente, e foi conversando com Suely Schraner, que trabalha no Centro Gestor da unidade, que juntas elas encontraram o CCM.
Suely acompanhou todo o processo de desenvolvimento de sua nova companheira, juntas elas participaram de oficinas de dança e arte em cabaça. Emocionada, Maria da Paz conta que foi na oficina de cabaça que encontrou a grande chance de desenvolver mais uma habilidade e oportunidade de superação: “A emoção foi demais quando, pelos olhos da professora Valéria, fiquei sabendo que a minha pintura (Chuva Americana) na cabaça tinha ficado muito bonita. Chorei de alegria”
Suely completa a fala da amiga: “acompanhá-la é a melhor maneira de agradecer por ter uma boa visão”.

Aprendendo a SER
A coordenadora do local, Rosangela Fogarolli conta que o espaço atende mulheres de todas as idades e regiões, algumas vindas por encaminhamento da Delegacia da Mulher para serem orientadas e outras que buscam uma ocupação.
Todas as mulheres, antes de começar as aulas, passam por um curso de “Formação de gênero, política e cidadania”, com uma assistente social e uma estagiária, com duração de quatro a cinco encontros.
É nesse momento que o Centro de Cidadania busca desenvolver sua principal função no enfrentamento à violência doméstica e reconhecimento da mulher na sociedade, fazê-la perceber que muitas vezes seus desejos e vontades são anulados para sustentar a família unida e seu casamento, motivos que a leva, na maioria das vezes, suportar a opressão e a violência dentro de sua própria casa.
Segundo Rosângela, falar de gênero com esse público é ir além da diferenciação de sexo ela diz que o fundamental é fazer as mulheres compreenderem que as grandes limitações que temos são questões culturais, de nossa própria criação. A coordenadora afirma que ao longo das palestras as mulheres se dão conta da violência da qual são vítimas, que, na maioria das vezes não é física e sim psicológica (que quando envolve o fato de ser mulher é considerada violência de gênero).
 Rosângela resume ainda a sociedade em que vivemos: “Uma sociedade masculina, machista e feita para homens”, declara, afirmando que essa visão também pertence às mulheres e que é para isso mesmo que realizam seu trabalho sistêmico, vindo ao encontro desse problema cultural.
“O nosso dia a dia é muito emocionante, se a gente consegue o retorno de uma dessas mulheres já está de bom tamanho. Lutamos hoje não pela igualdade e sim pela equidade, para que não haja mais o opressor ou o oprimido, e que se a mulher desejar ser dona de casa, seja ela respeitada por sua escolha”, afirma.



Um comentário:

  1. Trabalho maravilhoso dessas pessoas, e a força dessas mulheres é imensa, quando elas pensam que não, mais ir atrás de ajuda é um enorme passo, ver mulheres assim que conseguem ter sua auto estima renovada deve ser um ganho enorme para estes profissionais, sua matéria ficou ótima Paula parabéns!

    Ass: Sara Donato

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